By Luis Felipe Salgado Franqueira
History often puts us in situations that we could never dream of until the moment of experiencing them. Something unusual happened to me, for someone who had a childhood considered normal for the time, a structured and happy family within Western standards, but which, through twists and turns that fate weaves, happened to stumble in the History of Humanity when, on April 25, 1974, the Carnation Revolution changed the lives of hundreds of thousands of families, especially those who, like us, lived in a Portuguese colony. We were not rich, nor did we live at anyone's expense: my mother was dedicated to sewing and my father operated a sugar cane property on the banks of the Pungué River in central Mozambique, which is next to a sugar company located in Mafambisse.
I was at a technical agricultural teaching school 200 kilometers from home. I lived in that boarding school for five years and, strange as it may seem, that was precisely why I gained a capacity for resilience and a status of autonomy that allowed me to go through the moments that followed the revolution.
The world, with the independence of the colonies, was turned upside down for all those who had to face it. At 20 years old, nothing scared me!
I embarked for Portugal alone, which at the time was called the Metropolis and populated the dreams of many young people who, like me, wanted to know the first world, where I was welcomed by an uncle, in a remote area of Minho called Anissó, in Vieira do Minho! That was too much for me, a small village, with a delay in civilization that we, coming from Africa, weren't used to. In half a dozen months I got fed up with that and grabbed my backpack, plus 1,500 escudos in cash (today it would be €7.50) and went to Lisbon, finally getting to know the World at its best!
Arriving in Lisbon, with nowhere to stay or eat, I started to wander through those immense avenues and soon realized that I would have to take care of life alone!
At the time, the city of Lisbon was full of people coming from the former colonies, where there were funds, made available by many donor countries, to accommodate in hotels, pensions and other housing spaces those thousands of families who, while not eating or sleeping in these spaces, wandered around the city waiting for a job opportunity, a momentary "joke" to earn some change or a last minute "hitch" to satisfy their primary animal instinct, if only to be able to prove to themselves that they still maintained their abilities macho men in good shape.
My daily occupation became waking up at the entrance of a building, where I would lie down on a cardboard box and with a blanket on top, fill my belly with water from any garden tap and start walking around Lisbon from one side to the other! The first thing was to find someone who would give me a coin to at least eat some bread, then, in Praça do Rossio, in the center of the city, look for someone who I would eventually meet and buy me lunch. Sometimes they found me money, 20 escudos at the time was enough for lunch in a tavern, other times they even paid for lunch and still others it was the tavern keeper himself who offered the meal after the customers had finished it and, with what was left, there they filled our stomachs. At that time there were things that were extremely volatile, the rumor.
There was a rumor that in a certain place they were helping the returnees (a pejorative name given to people who came from the former colonies), except that that place was usually leagues from where we were, or that there was the possibility of manual work that would be enough for earning some change, but when we got there the vacancies were already occupied... and so the minutes, hours and days passed! Around 4/5 pm, and because it was autumn, it was time to look for cardboard, the thicker the better, discover a space where the cold would enter as little as possible and prepare the nest for another night!
After 15 days, I don't think anyone would approach me because of the nauseating smell it exhaled. As I was wandering around Rossio Square, I found a longtime friend from Mozambique, my friend Pequerruxo. It was a moment of immense joy, because he, in addition to having a good heart, was installed in a house with 40 or 50 other returnees, they all slept in a pile, but they had a roof, a bed, two meals a day and also a guaranteed bath! I still had the question of knowing if I would not be caught or if it would harm him for taking me to that house, relaxed, as he was, he told me that nobody there knows who goes in or out, nor is there any control of any kind, so I ended up settling there, I slept on the floor of his room and 10 or 15 more, but with that help I managed to push my way along paths that allowed me to find work, occasional it is true, but it helped me to give the next steps towards other stories, also exciting, and which have always made me believe that those who fight for a better life, those who do not give up on their dreams and that those who believe that they are part of a fantastic universe will always have all the opportunities to achieve a Complete Life in return!
*The pictures below were taken recently.
Um Sem-Abrigo Acidental...
Em Português
Por Luís Felipe Salgado Franqueira
Muitas vezes a História coloca-nos em situações que jamais poderíamos sonhar até ao momento de vivência-las.
Aconteceu-me algo inusitado, para quem teve uma infância considerada normal para a época, família estruturada e feliz dentro dos padrões ocidentais, mas que, por voltas que o destino tece, aconteceu tropeçarmos na História da Humanidade quando em 25 de abril de 1974 a Revolução dos Cravos alterou a vida de centenas de milhares de famílias, principalmente aquelas que, como nós, vivíamos numa colónia portuguesa. Não éramos ricos nem vivíamos à custa de ninguém, minha mãe dedicava-se à costura e meu pai explorava uma propriedade de cana-de-açúcar, nas margens do rio Pungué na zona centro de Moçambique e junto a uma empresa açucareira situada em Mafambisse.
Eu estava numa escola de ensino técnico de agricultura a 200 quilómetros de casa. Vivi nesse internato cinco anos e, por estranho que possa parecer, foi precisamente por isso que ganhei uma capacidade de resiliência e um estatuto de autonomia que me permitiu passar pelos momentos que se seguiram à revolução.
O mundo, com a independência das colônias, ficou de pernas para o arpara todos aqueles que tiveram que o enfrentar. Jovem com 20 anos, a mim nada me metia medo!
Embarquei para Portugal, sozinho, que na altura era denominada como Metrópole e povoava os sonhos de muitos jovens que, como eu, desejavam conhecer o primeiro Mundo, onde fui acolhido por um tio, numa zona remota do Minho de nome Anissó, em Vieira do Minho!
Aquilo foi demais para mim, aldeia pequena, com um atraso civilizacional que nós, vindos de África não estávamos habituados. Em meia dúzia de meses fartei-me daquilo e peguei na minha mochila, mais 1.500 escudos em dinheiro (hoje seriam 7.50€) e fui para Lisboa, finalmente iria conhecer o Mundo no seu expoente máximo!
Chegado a Lisboa, sem ter onde ficar nem onde comer, comecei a vaguear por aquelas imensas avenidas e cedo percebi que teria que tratar da vida sozinho!
Na altura a cidade de Lisboa estava repleta de gente vinda das ex-colónias, onde houve fundos, disponibilizados por muitos países doadores, para albergar em hotéis, pensões e outros espaços habitacionais aqueles milhares de famílias que, enquanto não comiam ou dormiam nesses espaços, vagueavam pela cidade à espera duma oportunidade de emprego, dum "biscate" momentâneo para ganhar uns trocos ou dum "engate" de última hora para satisfação do instinto animal primário, quanto mais não fosse para poderem provar a si mesmos que ainda mantinham as suas capacidades machistas em boa forma.
A minha ocupação diária passou a ser, acordar na entrada dum edifício, onde me deitava sobre uma caixa de cartão e com um cobertor por cima, enchia a barriga de água, numa qualquer torneira de jardim e começava a calcorrear Lisboa de lés-a-lés! A primeira coisa era encontrar alguém que me desse uma moeda para, pelo menos comer um pão, depois, na Praça do Rossio, no centro da cidade, procurar alguém que eventualmente eu conhecesse e me pagasse o almoço. Algumas vezes arranjavam-me dinheiro, 20 escudos na época davam para almoçar numa taberna, outras pagavam-me mesmo o almoço e outras ainda era o próprio taberneiro que oferecia a refeição já depois dos clientes terem terminado o repasto e, com o que sobrava, lá nos enchiam o estômago.
Nessa época havia coisas que que eram sobremaneira voláteis, o boato. Corria um rumor que em determinado local estavam a ajudar os retornados (nome dado pejorativamente às pessoas que vinham das ex-colónias), só que esse local ficava normalmente a léguas donde nos encontrávamos, ou então que havia a hipótese dum trabalho braçal que daria para ganhar uns trocos, mas quando lá chegávamos já estavam as vagas ocupadas... e assim se passavam os minutos, as horas e os dias! Por volta das 16/17 horas, e porque estávamos no Outono, era hora de procurar um cartão, quanto mais espeço melhor, descortinar um espaço onde o frio entrasse o menos possível e preparar o ninho para mais uma noite!
Ao fim de 15 dias, penso que já ninguém se aproximava de mim pelo cheiro nauseabundo que exalava, estando eu a vaguear em plena Praça do Rossio, encontrei um amigo de longa data de Moçambique, o meu amigo Pequerruxo. Foi um momento de alegria imensa, pois ele, além de bom coração, estava instalado numa casa com vais 40 ou 50 outros retornados, dormiam todos amontoados, mas tinham teto, cama, duas refeições por dia e também banho garantido! Ainda pus a questão de saber se não seria apanhado ou de prejudica-lo a ele por me estar a levar para aquela casa, descontraidamente, como ele era, disse-me que ali ninguém sabe quem entra ou sai, nem há controlo de qualquer espécie, de maneira que acabei por me instalar lá, dormia no chão do quarto dele e de mais 10 ou 15, mas com essa ajuda consegui impulsionar o meu caminho por veredas que me permitiram arranjar trabalho, ocasional é certo, mas ajudou-me a dar os passos seguintes rumo a outras histórias, também emocionantes, e que sempre me fizeram acreditar que quem luta por uma vida melhor, quem não desiste dos seus sonhos e que quem crê que faz parte dum Universo fantástico terá sempre como retorno todas as oportunidades de alcançar uma Vida Plena!
*As fotos abaixo foram tiradas recentemente.